domingo, 19 de maio de 2013

Num domingo com o tempo baralhado, sem se perceber se estamos a caminho do verão ou num inverno que não há meio de ficar parado, apareceu a saudade da minha terra natal.

Em Lisboa com Cesário Verde
Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que os gatos persas;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver as gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também,
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu sei já bem.
Só ele ajusta o luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
dum verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio e a musica,
sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar a sílaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucas mais,
à suprema perfeição da língua.

Eugénio de Andrade, 1986




1 comentário:

  1. E minha velhinha e querida Lisboa, também...
    E com a sorte de ter vivido na rua com nome do poeta...

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